O Dia dos Namorados costuma mobilizar vitrines, propagandas e redes sociais em torno de uma celebração romântica que, para muitos, é sinônimo de realização afetiva. Mas o que essa data representa para quem está solteiro? Mais do que uma ausência, a solteirice pode ser vista como um espaço de descoberta e fortalecimento pessoal — e esse olhar pode ser transformador. É o que defende a psicóloga Grazielle Moura, professora do curso de Psicologia da Estácio, que propõe uma reflexão crítica sobre o lugar do amor romântico na busca pela felicidade.

Segundo a especialista, o primeiro passo é entender a diferença entre solidão e solitude. “Ambos falam sobre o estar sozinho, mas de formas diferentes”, explica. Enquanto a solidão se associa ao sofrimento psíquico, à tristeza e à sensação de vazio, a solitude representa a capacidade de estar bem na própria companhia. “A solitude promove reflexão, autoconhecimento e pode ser muito produtiva. A solidão, quando acompanhada de pensamentos negativos como ‘ninguém me ama’ ou ‘não sou suficiente’, pode indicar sofrimento emocional — e nesse caso é fundamental buscar apoio psicológico.”
Quando o amor vira necessidade
Para Grazielle, há um risco real quando a busca por um relacionamento parte de uma tentativa de preencher um vazio interno. Isso pode levar à idealização, frustração e até à aceitação de relações prejudiciais. “Tratar bem é o mínimo em uma relação. Mas quando alguém está carente, isso pode parecer extraordinário. É aí que a pessoa começa a aceitar menos do que merece.”
Nesse sentido, o autoconhecimento torna-se ferramenta essencial. “Antes de buscar alguém, é preciso entender quem sou eu, o que desejo, qual o meu limite”, afirma. Essa compreensão interna ajuda a evitar relações motivadas pela carência e a construir vínculos mais saudáveis. “Não existe um momento ideal para se relacionar. Existe o momento em que a pessoa se sente emocionalmente preparada.”
Reconfigurar a data: do amor romântico ao amor próprio
É impossível ignorar que o Dia dos Namorados carrega uma forte pressão cultural. “A sociedade valoriza muito o amor romântico, principalmente em datas como essa. Isso pode gerar desconforto para quem está solteiro”, diz a psicóloga. No entanto, ela defende que a data pode — e deve — ser ressignificada. “O dia dos namorados não precisa ser sobre falta. Pode ser sobre afeto, inclusive o afeto conosco.”
Para quem sente tristeza ou incômodo por não ter um par nesse dia, a dica da psicologia é a regulação emocional: “Acolha o que você está sentindo, valide. Mas depois, direcione sua atenção para o que dá sentido à sua vida. Pode ser o autocuidado, projetos pessoais, amizades. Estar solteiro é uma fase, como qualquer outra da vida.”
Felicidade não é sinônimo de estar em um relacionamento
A ideia de que só é possível ser feliz em casal é um mito que precisa ser desconstruído. “A felicidade é uma construção interna, fruto de autoestima, autonomia e autoconhecimento. O amor romântico pode ser uma fonte de prazer e realização, mas não pode ser visto como um pré-requisito para ser feliz”, afirma Grazielle.
Ao contrário do que muitos pensam, o excesso de foco em encontrar um par pode gerar dependência emocional. “Se eu esqueço de trabalhar questões internas e aposto tudo na relação, corro o risco de me anular. A felicidade está muito mais ligada à autorrealização do que ao relacionamento amoroso em si.”
A escolha consciente: amor como complemento, não preenchimento
A psicóloga conclui que, ao desenvolver o amor próprio, ampliamos nossa capacidade de fazer escolhas conscientes — inclusive no amor. “Quando o afeto surge como uma escolha e não como uma tentativa desesperada de preencher um vazio, estamos mais preparados para viver um relacionamento saudável.”
Neste Dia dos Namorados, a proposta é olhar para si com mais generosidade e menos cobrança. Trocar a ansiedade da busca pelo prazer do encontro — consigo mesmo. Porque, às vezes, o melhor par é a gente em paz com a própria companhia.