Ritos que sustentam

Uma civilização é construída pela sedimentação de ritos. Eles consolidam uma cultura. Quando começam a se esgarçar, ela – a cultura – desmorona. 

Isso é bastante nítido no seio das famílias. Elas obedeciam a rituais integrados na tradição mais do que secular. Os almoços aos domingos. A celebração dos aniversários. A participação nas atividades religiosas, nas missas, rezas e procissões. O Natal, a Páscoa, o dia das Mães, dos Pais e da criança. 

Rituais obrigatórios: a preparação de um casamento, com a expedição de convites, que eram entregues pessoalmente pelos noivos, em visita formal ao convidado; a formação da “corbeille” dos presentes, que eram entregues na residência do noivo ou da noiva, ocasião em que se oferecia um drinque. O capricho na cerimônia. 

Outro, imprescindível, o ritual do luto. Comparecer ao sepultamento, à missa de sétimo dia. Fazer uma visita de condolências à família que perdeu um ente querido. 

O ritualismo se inspirou bastante na tradição da Igreja Católica. Por que é que ela perdura por mais de dois milênios? A missa é a mesma em todas as igrejas de todo o planeta. A Ave-Maria é pronunciada com idênticas palavras, em todos os idiomas. Assim o Pai-Nosso, a Salve-Rainha, o Credo.  As Sagradas Escrituras não variam. Pode haver interpretação com alguma tonalidade própria ao talento do pregador. Mas as palavras são as mesmas. Repetidas ad infinitum. 

Quando os ritos começam a se diluir, algo não caminha bem na Instituição. Assim ocorre na família. “Por que celebrar o aniversário de um idoso? Por que assistir missa de sétimo dia? Por que se casar?”.

Isso acontece na escola. “Por que cantar o Hino Nacional? Por que celebrar pessoas que morreram há duzentos anos? Qual o significado de datas históricas?”.

É o que não deixa de ocorrer em todos os espaços, em nome da modernidade. As instituições que perduram são aquelas que souberam conciliar tecnologia e rito. A metáfora do rito serve para explicar muito descompasso que existe entre as expectativas e a realidade. Não é saudosismo, nem pensamento antiquado, engessado e superado.

Quem vai deixando de lado aquilo que moldou gerações, perde identidade, sentido de pertencimento e se aliena, pondo a perder um patrimônio afetivo de imenso valor. Que só se reconhece depois que o dilapidou.

José Renato Nalini

Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras. Foi presidente do TJSP e Secretário da Educação de SP. Professor universitário e palestrante.

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