Os gemidos da Amazônia

Os gemidos da Amazônia

Muito se tem escrito sobre a tragédia amazônica destes anos. Destruição violenta, incentivo a grileiros e garimpeiros em demarcações indígenas, entrega de títulos de posse, a legitimar ocupação por parte de infratores, sem observância da política estatal da regularização fundiária. 

O clamor da Amazônia, fundamental à preservação do clima planetário, chega a todo o planeta, mas parece não indignar os brasileiros. Ao contrário: preferem a política do extermínio, a se considerar o resultado eleitoral do Parlamento federal.

A lucidez residual que habita este país precisa fazer chegar às crianças o tamanho da tragédia. E uma forma eficiente de fazê-lo é projetar o filme “Amazônia, a Nova Minamata?”, de Jorge Bodanzky. Minamata é uma cidade japonesa cujos habitantes foram vítimas de intoxicação por mercúrio em 1950, produzida por uma fábrica de plástico. O envenenamento causou danos neurológicos, distúrbios de fala, visão e de movimento, prejuízo cognitivo, paralisia de membros e morte. Tão desoladora, que a doença passou a ser chamada “mal de Minamata”. 

Ocorre que a Amazônia está sujeita às mesmas consequências. Rios são contaminados por mercúrio, que passa para os peixes. O metilmercúrio é o metal pesado utilizado no garimpo. Terras indígenas que foram milenarmente protegidas sofreram invasão incentivada. Os estragos são visíveis e dramáticos. Os mineradores não têm qualquer constrangimento ao afirmar que usar mercúrio é, ainda, a melhor fórmula de encontrar ouro. 

A população indígena, já dizimada pelo genocídio que teve início no século XVI, está hoje condenada ao desaparecimento, pois o nível de mercúrio já foi detectado no sangue de adultos e crianças. 

Como o ouro é precioso, mas também gera conflitos, o pior cenário é o da cooptação de alguns indígenas que recebem parcela do metal extraído e hostilizam os que não concordam com o extrativismo cruel e esterilizante, chegando a ameaçar de morte ambientalistas e irmãos da mesma etnia. Terríveis tempos nos foram ofertados numa era que se prometia fosse de paz duradoura e ameno convívio entre os diferentes. 

Alguém sensível é capaz de ouvir os últimos gemidos daquela que foi a maior floresta tropical do planeta?

José Renato Nalini

Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras. Foi presidente do TJSP e Secretário da Educação de SP. Professor universitário e palestrante.