A Formiga e a Cigarra no Hospital

A Formiga e a Cigarra no Hospital

Não se tem notícia de La Fontaine um dia tenha visitado algum hospital como um contador de histórias, mas não podemos deixar de registrar a passagem de cigarras e formigas como visitantes do imaginário de uma enfermeira infantil, como eu sou enfermeiro responsável pela pediatria, iniciava plantão passando as visitas à todos os pacientes, quando entrei no quarto, deparei-me com um sorriso tímido, que iluminava aquele rosto magro, cabeça careca devido a quimioterapia, foi assim que a história começou, lá estava a formiga a trabalhar, e a cigarra a cantar, quando chega o inverno a cigarra resolve pedir abrigo para a formiga, que a expulsa: O que você está fazendo ou estava enquanto eu trabalhava durante todo dia?: Dona formiga, eu cantava para alegrar o seu trabalho. E a formiga: Cantava é? Pois agora dance.

Resolvi dramatizar a história, pedi que o paciente escolhesse qual personagem gostaria de representar, ele escolheu a formiga, e eu a cigarra, foram incontáveis repetições da cena em que a pobre cigarra levou porta na cara, e o sorriso foi substituído por sonoras gargalhadas, e assim passaram os dias, na primeira visita que ele teve naquela manhã, uma nova batalha se travou daquele quarto, porque o quadro clínico do nosso personagem não era dos melhores, e ai resolveram então antecipar a festa de aniversário, pois não o tínhamos certeza se ele aguentaria até aquele dia, muitas pessoas se juntaram para organizar o evento que seria realizado no refeitório do hospital.

Marcado o dia, vesti-me de um palhaço, procurando levar alegria, mas sem tom de despedida, afinal, a esperança era que algo ocorre-se contrário aos prognósticos, muitos presentes, sorrisos, parabéns à você, gradativamente e de maneira surpreendente, discretas melhoras foram ocorrendo, chegamos a data do aniversário propriamente dito e para nossa alegria, chega o dia da alta dele. No ano seguinte, o aniversário dele foi comemorado fora do hospital, nosso personagem, agora tava cabeludo, sinalizava que a vida é surpreendente e que muitas vezes, mesmo percebendo a difícil e até mesmo impossível, é importante acreditar no quanto nós participamos desse processo de cura, não saberia dizer, e muito menos mensurar, só posso afirmar que nesse e em outros momentos, tivemos a oportunidade de evidenciar o quanto é importante investir na qualidade das relações humanas, tantas vezes deixadas em segundo plano, não temos tempo para isso, o dia está muito corrido: esses são os argumentos de alguns operários da saúde na execução de tarefas instrumentais do cuidar, e a tecnologia ajuda, mas apenas isso não basta, é necessário pensar no cuidado relacional, e muitas vezes deixar aflorar a sensibilidade e a alegria da nossa cigarra interior.

Cada pessoa possui um potencial criativo dentro de si para ser usado para promover nossa saúde e também para trazer um pouco de alegria e de calor humano ao nosso trabalho de apoio ao próximo.

Beto Vaca

Proprietário do peculiar "Bar do Beto Vaca", é uma figura icônica e lendária de Cravinhos com personalidade carismática. Beto compatilha suas experiências de vida, pensamentos e ótimas histórias.

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